Arquivo do mês: novembro 2012

Não mudaria meu jeito de fazer café por você

Deixe em paz meu coração

Que ele é um pote até aqui de mágoa

(Chico Buarque)

– Quer ser o amor da minha vida? 

E foi assim, ali, embaixo daquela marquise da padaria da esquina, os pingos da chuva fazendo uma orquestra com o asfalto. Era madrugada, não tinha nada aberto na rua. Pensei que ao chegar em casa fosse simplesmente deitar na cama sem pensar em nada e deitaria assim mesmo, molhado da chuva, porque o cansaço não me deixaria secar por inteiro, estava exausto quando veio o pedido.

Ela: a jaqueta de couro protegendo seu vestido estampado de laços. Seu rosto começara a ficar vermelho, sua boca tremia, nos olhos brilhava um suave desespero. Aquilo era uma lágrima querendo cair? Podia ser só gota-da-chuva-que-desceu-passou-nas-sobrancelhas-e-se-apoiou-nos-cílios, talvez. Olhava pra chuva tentando fazer a pergunta que saiu num impulso voltar. Devia ser uma daquelas frases que ficam dias e dias na boca, brigando com os dentes até se pendurarem na ponta da língua, balançarem pra lá e pra cá e caírem – bem logo na minha mão.

Quer ser o amor da minha vida?”, eu repetia na minha mente. Ninguém pede assim pra ser o amor da vida de alguém. A gente pede em namoro, pede desculpas, pede pra amar, para ser amado. Ser o amor da vida dela era amar e ser amado ao mesmo tempo mas deixar que ela me amasse primeiro? Não sei, esse tipo de pergunta eu não entendo. Nunca entendi.

Virou a cabeça pro lado e olhava a chuva que caía. Acendi um cigarro e tentei fazer com que minha fumaça cobrisse a neblina do momento.

Vamos? – Ignorei a pergunta, o pedido, o desespero. Ela deu um sorriso leve como quem diz “Obrigada por acabar com esse momento constrangedor”, mas mal sabia que para mim era pior. E seguimos embaixo da chuva. Quando chegamos no nosso apartamento, tomei um banho quente e ao sair, ela me esperava na cama enrolada na toalha, folheando um livro, a TV ligada baixinho.

– Você não se sente sozinho?

– Claro, quem não? 

– E isso não te incomoda? 

– Incomoda. Mas a gente, como se diz… pega a solidão e dança.

– Isso não é engraçado.

– O que não é engraçado?

– Essa sensação de que todo mundo anda em igual sintonia prendendo o mesmo grito de angústia no peito.

Sim, eu sei. Às vezes eu tenho vontade de puxar o grito, quem sabe todo mundo grita junto. Sei que iriam me achar estranho no início, mas entre becos e bares por aí um ou outro fodido iria gritar comigo, nem que fosse mentalmente.

– Tenho andado com um incômodo enorme nos últimos dias. O que sinto é que tudo que me rodeia é meio fake, meio forçado, como se eu precisasse de algo mais seguro pra me sentir à vontade entre esses destroços que eu piso constantemente, todo dia, toda hora. 

(Silêncio.)

– Eu preciso de segurança… – continuou ela.

– Você tem. O teu emprego, a tua faculdade. Teu pai tem uma grana legal.

– Tô falando de gente. Tô falando da gente.

– Olha, Céu… Eu não quero te magoar com minha preguiça nas pessoas, mas pra isso é essencial que você entenda que eu preciso do meu espaço… 

– Então você tem preguiça de mim?

– Tenho, mas eu te amo, então eu amenizo pro seu lado.

– Eu me sinto solitária.

– Eu já disse que eu também.

– Então?

– Então o quê?

– Solidão a dois, é isso?

– Pelo visto sim.

– Solidão a dois é…

Eu sei, ela começaria a falar que essa rotina mata a gente por dentro. Que eu ando sem paciência nos últimos dias. Que ela se sente sufocada, eu concordaria, diria que eu também me sinto assim. Talvez abafaríamos o sufoco num abraço apertado ou deixaríamos ele escapar como uma poça de água que evapora na calçada, depois de muita gente molhar o pé ali. Talvez se eu contasse que compro presentes escondido pra ela mas fico sem jeito de entregar por medo de que ela perceba o quanto sou apaixonado a tristeza dela passaria um pouco. Na cômoda tem um livro e um DVD do Chico que eu comprei no Natal passado, será que eu deveria…

– … desespero. – completei.

Demos um sorriso triste e ficamos calados. Ia começar um filme do Tarantino na TV.

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